A fábula da mortadela bolivariana e o fascistão
A garota legal que me conquistou tempos atrás não entende absolutamente nada de política, mesmo assim não perde uma manifestação com a galera inteligente da faculdade e da internet. Ela diz que precisa defender a paz mundial, a democracia, a Palestina, e as minorias oprimidas pelo fascismo imaginário, ainda que não faça ideia do que esteja realmente defendendo ou atacando, enquanto metralha frases feitas que aprendeu há dois anos.
A garota que me conquistou tempos atrás também não entende nada de sessões plenárias, leis, constituição, código penal, mesmo assim aplaude de pé quando as deputadas histéricas do seu partido interrompem aos gritos uma comissão parlamentar tentando, segundo elas, ‘salvar o povão pobre das garras da elite opressora’. – Isso mesmo, meninas, sambem na cara do patriarcado! Viva a mulher empoderada!
A minha garota não entendia nada de filosofia também, é verdade, muito menos de globalismo, mas nem por isso deixaria passar uma oportunidade de criticar filósofos e livros que nunca leu (nem vai ler) simplesmente porque um amigo influenciador palhaço do YouTube pediu para que não fossem lidos jamais.
A minha garota lutava pela liberdade de todos, claro, inclusive a minha, mas mandava prender qualquer um sem motivo, avaliando apenas sua agenda ideológica e posicionamento político, não os crimes em questão. Ela também gostava de bloquear antigos amigos, compartilhar seus nomes em listas de ódio nas redes sociais, porém só fazia isso para proteger os pobres, as árvores nativas da floresta amazônica, a cultura aborígene e as baleias no mar do Japão.
A jovem garota de cabelo azul conquistou-me enquanto eu caminhava perdido no bloco carnavalesco dos peitos de fora, em meio a nuvem de ervas estupefacientes proibidas por lei federal, pulando sem saber na marcha da putaria contra a igreja transmitida ao vivo na TV. O momento estava guardado até ontem no Instagram dela, acompanhado por legendas de amor eterno em árabe e russo, apesar de a garota mal conseguir escrever em português. Depois do 17 ela apagou nossa foto. O 17 foi demais para ela.
A minha garota sempre gostou de dividir o ser humano por cores, gêneros, tipos, como eu faço com modelos de carros, celulares e máquinas de cortar grama. Ela não sabe, mas enquanto luta contra moinhos imaginários, encarnando a parte mais obscura de um Dom Quixote, os carcereiros reais do mundo constroem novas narrativas para alimentar sua luta insana e permanente.
Minha garota é jovem, linda, rica, mas precisa da aprovação dos amigos para sobreviver, precisa fazer parte do grupo, esconder-se em uma bolha intelectual de aceitação coletiva, mesmo que aquilo não signifique nada além de caos interior, atraso e perda de energia individual. Ela não sabe ao certo qual caminho percorremos antes de sua chegada aqui na Terra, e talvez nem queira mesmo saber, pois seu professor já lhe contou as verdades universais sobre cada assunto em resumos práticos, e seus amigos concordaram, e seu mundo se fechou.
Porém, caros leitores que permanecem firmes a minha direita, ainda que pareça piada ou masoquismo de minha parte, eu não deixei de gostar da jovem socialista de iPhone que me conquistou tempos atrás pelas ruas do Rio de Janeiro. Espero sinceramente que minha garota amadureça, e se liberte da prisão mental que os velhos diabólicos construíram para manipular sua percepção e roubar sua juventude, ou acabará asfixiada pelo pó do tempo perdido, orbitando sem saber no mesmo mundo covarde e segregado que alimentou diariamente.
Hoje ela me chama de bolsominion fascista, eu a chamo de socialista de iPhone e mortadela bolivariana, mas a verdade é que ainda existe uma ponta de amor sincero entre nós, guardado entre a vulgaridade de nossos novos rótulos sociais.
(Ao som de I Follow Rivers, de Lykke Li)
Obs: O conteúdo é satírico. O autor propõe outra linguagem para abordar a revolução cultural que o mundo vive atualmente.
Leitura impecável! Sempre surpreendente.
Parabéns por enxergar tão claro essa boçalidade reinante no Pais, sem falar no nhonho de Botafogo, que diga-se de passagem têm origem tão condizente com seu caráter e comportamento.